segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Daniel de Sá



Queridos amigos
Vamos continuar está deliciosa viagem com o nosso Mestre Daniel de Sá.E nesta mesa coberta por tão fabulosa toalha de linho,quero acrescentar uma declaração:Nesta mesma Lagoa que Daniel nos descreve maravilhosamente, passei os dias mais felizes deste ano.

Lagoa

O viajante pensa que, se a Lagoa fosse um reino, a Caloura seria a sua jóia da coroa. Jóia deste concelho que poderia parecer destinado a ter pouca importância. Porque a Lagoa está praticamente na periferia de Ponta Delgada. Que, à medida da ilha, é um centro urbano capaz de tornar em satélites as povoações vizinhas. Mas esta vila não se deixou arrastar pela força de gravidade da maior urbe do arquipélago. Criou a sua vida própria. A sua indústria foi sempre activa e inovadora. Mesmo quando não pretendeu mais do que ser utilitária, com a sua loiça de barro ou a sua fábrica de papel de materiais reciclados.
É uma vila onde o viajante gosta de passar e de estar. Sem a asfixia das grandes pressas. Para contemplar o recorte da costa ou o desenho das ruas e a claridade do seu urbanismo.
O viajante ia já dizer que o concelho da Lagoa tem de particular ser o único nos Açores com duas vilas, mas lembrou-se a tempo de que no da Calheta, em São Jorge, há a do Topo. Caminhando para nascente, encontra-se a outra, a de Água de Pau. Ambas antigas, mas esta ainda mais antiga do que a sede do concelho. Depois de um período de grande desenvolvimento, Água de Pau não resistiu à falta de recursos, e o seu município foi extinto. Mas conservou, e até como que readquiriu, a dignidade da sua nobreza. Que é também uma nobreza de carácter. É que um povoado tem carácter. Que reflecte a maneira de ser da sua gente. Também nesta há cantos e recantos a ver devagar. Por onde dá gosto vaguear.
É a Água de Pau que pertence a tal jóia da coroa. A Caloura. Uma paisagem que muda de repente, como se não fosse parte da mesma ilha.
O viajante gostaria de poder escrever de maneira a que nem sequer se desse pelas palavras. Como a música de um violino em que não se ouve o som do arco nem dos dedos a saltitar nas cordas. Ou como uma toalha de linho branco, sem desenhos nem bordados, lisa, que pareça estar na mesa apenas para realçar a baixela. Ao viajante fascina sobretudo o porto, cheio de esmagadoras memórias da lava que criou aquele espaço de surpresas. E que tem ao lado o primeiro convento de freiras que houve nos Açores. Aonde foi parar a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Segundo consta da lenda, vindo pelo mar, náufrago não se sabe onde nem como. Ou, segundo conta a história, e talvez de modo tão lendário como a própria lenda, oferecido pelo Papa Paulo III a duas jovens que teriam ido a Roma pedir autorização para fundar o mosteiro. Muito perto, apenas separados por muros de pedra sobre pedra, o como que impossível museu de arte do Centro Cultural da Caloura.
O viajante expôs a toalha lisa do linho rústico das suas palavras. E o banquete está pronto para os olhos. Desde que se entra no concelho, pela Lagoa, até que se sai, pela Ribeira Chã. Ou no sentido contrário. Uma viagem que apetece fazer olhando para trás, vendo a paisagem crescer.
(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)

2 comentários:

Ibel disse...

O vijante(leitor) gosta de ler, de maneira a que quase não dá pelas palavras, tão leves lhe surgem, como " toalha de linho branco" onde o olhar repousa limpo"sem a asfixia das grandes pressas".

Daniel disse...

Bons olhos, bom coração, boa alma. Estas coisas não te faltam, boa amiga Ibel. Por isso aprecias assim a viagem.