quarta-feira, 26 de novembro de 2008

E o céu em Santa Catarina continua em pranto.



Nunca vi uma primavera chorar tanto!
Tanta água que a própria terra devolve e dissolve diante de nossos olhos.
Ficamos perplexos. E o coração bate tão forte que parece querer rasgar o peito para a alma sair, ou jogar-se para fora.
A natureza grita e toda ilha chora.
O que é uma casa?
Um lugar onde nos sentimos seguros, um lugar para retornar, um lugar onde podemos “ser”, uma estrutura onde construímos nossa história.
Engraçado como há coisas que só conseguimos enxergar em total escuridão.
Neste momento estou no lugar onde mora o mistério, entro e saio rapidamente de dentro de mim numa busca louca sem respostas. Algum consolo ou explicação do inexplicável.
Este deve ser um dos segredos humanos: carregamos dentro de nós um casulo onde podemos nos ocultar. E em outras vezes, mergulhamos inteiros numa página em branco e somos símbolos, melodia, equações matemáticas... Somos o que sentimos,e o que sentimos nem sempre conseguimos explicar.Mas,sabemos que sentimos o que muitas vezes tentamos negar.
Somos uma linda odisséia, onde por vezes nos deparamos com uma primavera que chora muito.
Muito mais do que devia...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sou sombra


Estou diante de uma vida ampla
Sem promessas
Sem sonhos
Sem destino
Flutuo
Como uma sombra
Silenciosa
Eu e minha indignação com a vaidade humana.
Lutando contra esses semi-deuses.
Contorço-me entre esses Deuses covardes.
E minha luta solitária.
Pena eu ser assim
Não saber ser de outro jeito.
Uma vida ampla
Sem ponto de chegada ou partida.
Sem aguardar um milagre
Sem esperar uma miragem.
Sem amarras
Sem porto
Sem direção.
Apenas a amplidão.

Cristina Vianna

domingo, 23 de novembro de 2008

Devaneios


Sonhei que ele era um lago
Eu
seu contorno.
Sonhei que ele era um rio
Eu
o seu movimento.
Sonhei ainda mais...
Cheguei a sonhar
Que ele me sonhava.
Deus por que fizestes isso comigo!?
Deste-me um amor que não posso viver
Não posso tocar
Não posso sentir.
Guia-me pelas beiradas do caminho
Estou tão sozinha.
Fazei com que não mais lágrimas
E sim poesias, escorram por meus olhos.
E que estas mãos impregnadas de sonho
Repousem sobre a verdade.

Cristina Vianna

sábado, 22 de novembro de 2008

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Noites Com Sol in Rio de Janeiro - Saudades

... do meu povo, da minha terra,de mim.Deixei por lá minhas noites com sol.
Hoje eu tenho o breu,e de nada adiantou abrir as janelas.Entretanto, ainda lembro o que diz a rosa ao rouxinol.
Vem me tirar do abandono...
Noites com sol são mais belas.Indescritíveis.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Trecho do X capítulo do livro Espólio - Daniel de Sá.



Daniel, gostaria de dizer ao Lawson que quando li Ilha Grande Fechada, não li apenas um livro, não gostei apenas de um romance , estava diante dos meus olhos a alma de um escritor, descrita em linhas em forma de palavras. E também gostaria de dizer ao Lawson, o quanto aprendi a amá-lo no decorrer de seus desabafos e indagações,o quanto desejei fazer parte do seu ato solitário de escrever,tanto quanto ele fez no meu ato solitário em ler. Lawson também é este punhado de infinito que retemos nas mãos em concha.




Mas que era, afinal, a celebridade?...Que lhe diziam nomes como Royce Brier ou Raymond Sprigle?... Estavam catalogados entre milhares de referências anuais do “World Almanac”, jaziam nas enciclopédias à espera de que um olhar distraído reparasse neles. E qual era a importância real que teria para ele que mil ou cem mil leitores,no sossego de suas casas e entre um bocejo e uma fumaça,lessem com agrado uma crônica de guerra ou um romance assinado com o nome Charles Lawson?
Para o leitor- pensava ele- o escritor não passa de um homem que está lá, que tem como missão escrever, nada mais do que escrever. Pode gostar-se de um político ou de um atleta,de um actor ou de um palhaço,mas de um escritor não se gosta,gosta-se de um livro.Talvez nenhum homem esteja tanto na sua obra como um escritor no acto solitário de escrever,talvez nenhum homem esteja tão pouco na sua obra como um escritor no acto solitário de ser lido.As pessoas comuns – e a maior parte das pessoas são pessoas comuns – julgam que um escritor tem inevitavelmente de ser um escritor, que a qualidade de escrever lhe é imanente como a Deus a divindade. As pessoas comuns não pensam no que está por trás de umas páginas de que, no fim, simplesmente se gosta ou se não gosta.

(Daniel de Sá,O Espólio;Brumarte,1987)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Velha Infância

Um sonho para mim...

Moonlight Sonata - Ludwig Van Beethoven

Eu ...


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...


Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...


Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...


Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca

domingo, 16 de novembro de 2008

Meu Amigo poeta Daniel Tolfo- Na era da privatização


Falas sério ! Desejas privatizar-me !
Fiquei pasmo com tua manifestação.
Se quiseres privatizar o meu coração,
Vais ter que inteiramente amar-me.


Não apenas com passageira paixão,
Tampouco com essa lábia moderna;
Mas, uma recíproca afeição eterna,
Com sentimento d’alma e coração.


Onde tudo será expontâneo, sem temor;
Desejo tudo, não apenas mostruário;
Indubitavelmente será necessário,
Receber a moeda denominada amor.


Em clima de total afeição e calor,
Com sadia e amorável aceitação
Poderás privatizar este coração
Nas regras e dinâmicas do amor.

D a n i e l T o l f o

sábado, 15 de novembro de 2008

Amor I Love You - Marisa Monte

Deixa eu dizer que te amo...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Terminamos a viagem com o coração repleto de saudades....

O viajante finda esta encantadora e fabulosa viagem. Deixa nossos corações repletos de cores, sons, cheiros e sabores. Portanto, também nos deixa com muitas saudades, e com aquele gostinho na boca de quero mais.
Deixo aqui o agradecimento ao viajante pelo prazer da companhia, e a afirmação de que as cores desta vida dependem dos olhos que a admiram, e do coração que a abriga. E que foi muito bom viver este tempo de viagem através dos olhos e do coração deste viajante único e precioso.
Daniel de Sá tens a terceira mão, que emana raios de esperança e humanidade. Um imenso beijo neste teu coração que tanto amo.




“A arqueologia do silêncio”
(Título de uma crónica de José Ricardo Costa, no Jornal Torrejano)
O viajante faz o balanço da viagem. As melhores viagens são aquelas que não acabam quando chegam ao fim. Aquelas a que apetece sempre regressar pelos trilhos da memória. E uma vez mais o presente e o passado se confundem. Com a indecisão de saber se as coisas valem pelo seu tempo ou por si mesmas. Os sons poéticos de hoje serão o ruído de um motor de automóvel tal como há meio século era o chiar dos carros de bois? A beleza da arquitectura de betão poderá ter o valor sentimental de uma casa de pedra com porta e duas janelas? Um pintor pintaria com o mesmo sentimento um prado verde e um campo de papoilas? O pão, a massa sovada, as malassadas, o queijo de cabra, o doce de amora, as batatas-doces ou a abóbora assadas no forno têm ainda o mesmo sabor? E as rações trocam mesmo o gosto aos ovos ou à carne de porco dos torresmos de vinha de alhos, do chouriço, das morcelas?
O viajante não faz as contas deste balanço. Apenas cogita. De pé, no miradoiro de Santa Iria. Leu de alguém que falou na arqueologia do silêncio. Esse acto impossível de arrancar ao passado os sons que duraram instantes. E que sons tremendos se ouviriam por aqueles montes à volta! Quais os estampidos e gritos de uma batalha que acontece sem ter tido ensaio geral? Onde se mata e morre como uma que ali houve entre liberais e absolutistas?
Por aquela costa adiante, a ilha como que tem pena de se acabar a terra, alongando-se em sucessivas pontas mar adentro. Àquela distância, a serra da Tronqueira perde o aspecto selvagem, quase impossível de domar. O viajante nunca olha o pico da Vara, mesmo assim de tão longe, sem pensar em Ginette Neveu e no silêncio que se fez para o seu violino Stradivarius. Ou no coração de Edith Piaf, que ali também se partiu no corpo despedaçado de Marcel Cerdan.
Desde sempre que as montanhas cobram em vidas os seus direitos de passagem. E as das ilhas não têm sido menos avaras do que tantas outras. Gente que se perdeu nelas. Caminhantes de pé posto ou viajantes aéreos, como aqueles da Air France, perto de Algarvia, ou o jovem Marc Philip, que falhou por uma dúzia de metros o sobrevoo do cume do pico da Barrosa. Mas as montanhas são quase sempre os mais belos monumentos na paisagem. Ainda que feridas pelas torres da geotermia, que produz mais de 40% da electricidade que a ilha consome.
Como seria a ilha há seis séculos, como seria aquilo que viram os primeiros que cá chegaram? Deixemos essa revelação perdida no silêncio eterno de um suposto Diogo, ou Diego, e aos marinheiros que comandava.
O viajante suspende o balanço da viagem para pensar nesse outro tempo. Que terá sido o da estreia do espectáculo da ilha perante olhos europeus. Há quem aceite a hipótese de que ainda antes do nascimento de Cristo já por cá teriam estado os fenícios. Mas os fenícios não foram mais do que bons marinheiros de cabotagem, e naquele tempo era inconcebível arriscar uma viagem num mar imenso e desconhecido. Até quem acredita que eles contornaram toda a África só o faz com o pressuposto de que viajaram sempre junto à costa. E se os normandos alcançaram a América, bem no fim do século X, aportando primeiro na Gronelândia, essa viagem não passa de um passeio comparada à vinda desde Lisboa ou Lagos até aos Açores. Porque os normandos fizeram escala nas ilhas Faroe e na Islândia, já então habitadas havia séculos. E da Islândia à Gronelândia a distância é de trezentos quilómetros, apenas o dobro da que separa a Terceira de S. Miguel. Com boa visibilidade, talvez nunca tivessem sequer perdido terra de vista. Até meio do percurso, veriam ainda a Islândia; a partir daí, já poderiam ter vislumbrado a Gronelândia.
O que o suposto Diogo, dito de Silves mas que quase de certeza o não foi, e os seus marinheiros viram foi uma ilha coberta de uma vegetação tão densa que era difícil andar por terra adentro. Espécies desaparecidas já na Europa, e que aqui constituem sobretudo a floresta da laurissilva, por nela abundarem os louros. Ainda podem ser encontrados vestígios dela, quase somente nos lugares mais inacessíveis. Porque os outros foram a pouco e pouco sendo ocupados pela agricultura. Uma agricultura que primeiro se destinou a matar a fome, produzindo trigo que ia sobretudo para os soldados das praças do Norte de África, além de cevada para os cavalos. E abundante pastel, que dava aquele fulgurante azul que os artistas flamengos tantas vezes pintaram. Veio depois, desde finais do século XVII até bem passada a primeira metade do seguinte, o ciclo da laranja. O tal tempo cuja riqueza criou palacetes e barões. Mas terá feito muitos pobres e emigrantes na sua própria ilha, que iam em busca das quintas onde lhes dessem trabalho. O viajante calcula que talvez cerca de um terço do solo arável estivesse ocupado pelos laranjais. Terra que faltava para os pobres cultivarem o que comer. E, se a lenda conta que Maria Antonieta disse que o povo, por não ter pão, comesse brioches, por cá era tanta a abundância de laranjas que as crianças chegavam a ter um aspecto amarelado, devido ao excesso de ácido cítrico. A exportação chegou a atingir mais de cento e cinquenta milhões de laranjas, nos últimos anos da sua abundância.
Foi então que surgiu a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense. Não terá havido nunca, nos Açores, outro movimento cívico ou político mais importante do que este. E que determinou o futuro da ilha, com consequências que perduram ainda hoje. Homens que perceberam a tempo que o comércio da laranja não estaria para durar muito. Os novos meios de transporte – barcos a vapor e comboios – permitiriam aos consumidores do Norte da Europa um fácil acesso às laranjas de Valência ou da Sicília. Além disso, uma doença mortal ia insinuando já a destruição dos laranjais. Mas cerca de três décadas antes de que tal riqueza se extinguisse, aquela Sociedade começou a pensar em soluções. E foi então que, a pouco e pouco, se foram experimentando e introduzindo novas culturas. O ananás, o chá, o tabaco, a beterraba, a chicória. Uma riqueza mais democrática, porque dela podiam beneficiar, pelo trabalho a que obrigavam, também os mais pobres. Do mesmo modo, foi a altura de começar a reflorestação da ilha. Os muitos milhões de caixas, feitas para que cada uma levasse entre oitocentas a mil laranjas, haviam quase esgotado as árvores de boa madeira, destruindo mesmo por completo os bosques do vale das Furnas. E assim a criptoméria se tornou nessa presença tão frequente em todo o arquipélago.
Mas aquele grupo de benfeitores foi também educador da quase medieval mentalidade popular. Para além da fundação do jornal O Agricultor Micaelense, promoveu o ensino numa população com uma enorme percentagem de analfabetos.
S. Miguel passava a ocupar um lugar de guia no destino dos Açores. Ao mesmo tempo, o turismo iniciava o seu desenvolvimento. De tal modo que hoje é a esta ilha que chega a maior parte dos visitantes. Que quase a confundem com o próprio arquipélago. No entanto, se S. Miguel parece resumir ou conter todas as outras, essa ideia é falsa. Cada ilha tem características sociais e de paisagem que a tornam única e imprescindível. Há que assumir a definição política do arquipélago, que é uma região autónoma, como um elemento de identificação colectiva. E aproveitar o dinamismo micaelense para impulsionar o conhecimento de todo o arquipélago. Quem está aqui está também mais perto de Santa Maria, da Terceira, ou até das Flores e do Corvo. E cada ilha é um cadinho de alquimia das emoções que deslumbrará quem quer que seja.
(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Veloz como um colibri.

(A Oriental, de Friedrich Von Amerling;1838 )
Nascestes da saudade que sentia
Em noites turbulentas tão vazias
Brotastes de um suspiro tão sonhado
Dentro de minha fantasia.
Um colibri que encantou meu olhar
Beijou minha flor
Bebeu meu néctar
Bailou no ar para me fascinar.
Sol que dourou meu corpo
Um discreto calor que aqueceu minhas manhãs de inverno.
Sonho que sonhei acordada
Meu porto!
Meu cais!
Meu doce amigo!
Companheiro pela madrugada.
Você partiu...
Cavalgando num suspiro de saudade
Rodopiando em meus sonhos
Rápido como um colibri.
A flor murchou
O sonho desbotou
A saudade?
Chorou.
Cristina Vianna

CLIP COM A TRADUÇÃO DE

Eu estava voando...
Há um livro que não li.
Há uma foto que não revelei.
Um filme que não assisti o final...
Há muitas coisas assim.Mas,o que importa é que estavam lá,e que existiram de verdade.

Beatriz - Ana Carolina

Atriz

De tantos disfarces me visto.
De gestos e gritos, vozes, vestidos.
Fujo de relógios e me envolvo
em cortinas de silêncio.
Lanço dados sem números.
Erro o passo e me aprumo.
Apóio-me em frágeis amores,
falsas bengalas.
Dou-me, renego e volto ao ninho.
Desterro-me,
por amor me degredo.
Provoco minha própria história.
Artesã dos meus dias,
invento falas, mas
aceito desenhos e diálogos.
Desmonto possibilidades.
Faço e me desfaço.
Choro de rir,
mergulho em lágrimas.
Lavo-me. Limpa,
volto aos dias claros.
Renasço das águas,
pobre Afrodite
no tablado da vida,
Fecho as cortinas,
até o novo dia.

Saramar Mendes

domingo, 9 de novembro de 2008

O Concelho Grande - Daniel de Sá





Daniel nos leva no coração deste viajante ao Concelho Grande, numa viagem metafísica, onde as imagens fotográficas tornam-se registros frágeis, por não conseguirem captar os sentidos, onde cores e formas sem cheiro, sem o pulsar daquela terra, não são detectáveis em sua totalidade. Sabemos que recordações são registros de uma memória ímpar, e só nos apropriamos delas, se formos nós a fabricá-las.
O inexplicável é o que acontece dentro de cada um de nós que acompanhamos este viajante conduzido pela literatura de Daniel. Podemos sentir o que nos descreve, como se fossem nossos próprios passos que levantam a poeira naquelas estradas. Chegamos mesmo a duvidar que não estivesse por lá. A força desta literatura capaz de nos dar as coordenadas do vento, a temperatura das manhãs, e as impressões mais secretas que povoam a mente do “viajante” ou são as nossas?

O viajante sabe que os cheiros completam as cores da paisagem como as cores completam as formas. Dos cheiros antigos que hoje faltam o que mais falta lhe faz é o dos trigais. Um cheiro quente que antecipava o do pão no forno. Um cheiro sensual, na ondulação das espigas trigueiras, com salpicos de papoilas incandescentes como sinais de virgindade. Lugares perfeitos para amores proibidos ou envergonhados.

Do maior concelho dos Açores, o viajante guarda estas recordações sobretudo para os lados das Feteiras do Sul, onde tem família de sangue e afecto. Muito perto da igreja de Santa Luzia, a do altar e púlpito que vieram da Igreja do Colégio dos Jesuítas.

As ceifas e as debulhas eram festivais de alegria e confraternização. Vinham carros de bois anunciando-se ao longe na dolência do chiar dos eixos. Tudo tinha um ar antigo, mas nada era triste. Nem mesmo a freguesia seguinte, a Candelária, que nos finais do século XIX o seu pároco considerava a mais pobre da ilha, e que talvez o fosse. Durante umas sete décadas não terá mudado muito. Mas de repente, quase de um dia para outro, encheu-se de cores novas e de movimentos culturais, começando também a tirar da terra muito mais do que só o trigo, que já não há, ou o leite, que há em demasia. O seu nome tornou-se uma espécie de marca registada de sabores que se apreciam em toda a ilha.

Depois há os Ginetes, que avançam até quase à Ponta da Ferraria, onde há uma espécie de museu natural de vulcanologia. E, sempre contornando o maciço das Sete Cidades, chega-se à Várzea, antes de descer para os Mosteiros, numa fajã de caprichoso recorte. Rodeada por um mar que lhe deu parte da fama por causa do polvo e das cracas.

A partir daí já se está na costa Norte. A paisagem, que parece reinventar-se a cada curva, refaz-se nos relevos e no aspecto da vegetação. Bretanha, Remédios, Santo António... Até o falar se assemelha, sobretudo na Bretanha, aos sons de França de que a lenda pretende fazer originários os seus primeiros povoadores. Com sangue real, há quem diga.

Nas vila das Capelas não convém olhar apenas para a confusão magnífica entre casario e arvoredo. Não pode perder-se a visita ao miradoiro do porto. Ali também se viu chegar muitos cachalotes, quando a sua caça era uma das riquezas das ilhas. Arribas de uma beleza impressionante, arrebatadora. O concelho vai acabar nos Fenais da Luz, mas continua por dentro, com uma das freguesias mais interiores da ilha, S. Vicente.


Já praticamente nada separa os arredores de Ponta Delgada da própria cidade. Que como que se continua na Relva, onde há o aeroporto; e nos Arrifes e Covoada, uma das maiores zonas de produção de leite dos Açores; e nas Fajãs – a de Cima e a de Baixo. Depois, a nascente, em S. Roque e no Livramento, com as suas concorridas praias de areia preta, ainda guardadas por umas ruínas de velhíssimos fortins que ninguém soube guardar.
(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)

sábado, 8 de novembro de 2008

Flávio Venturini - Todo Azul Do Mar

Foi assim
Como ver o mar
A primeira vez
Que meus olhos
Se viram no seu olhar
Não tive a intenção
De me apaixonar
Mera distração e já era
Momento de se gostar

Quando eu dei por mim
Nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu
Dentro do seu olhar

Quando eu mergulhei
No azul do mar
Sabia que era amor
E vinha pra ficar

Daria pra pintar
Todo azul do céu
Dava pra encher o universo
Da vida que eu quis pra mim

Tudo que eu fiz
Foi me confessar
Escravo(a) do seu amor
Livre para amar

Quando eu mergulhei
Fundo nesse olhar
Fui dono do mar azul
De todo azul do mar

Foi assim como ver o mar
Foi a primeira vez que eu vi o mar
Onda azul, todo azul do mar
Daria pra beber todo azul do mar
Foi quando mergulhei no azul do mar
Onda que vem azul, todo azul do mar

És ternura e poesia


És ternura e poesia em minha vida. Partilhamos a dor, solidão, silêncio e alegria. Fizeste-me sentir especial quando acolhestes meus sonhos, não ristes dos meus devaneios, e me permitiu sonhar ao seu lado. Aprendi contigo a ver estrelas em noites chuvosas.”Elas estão lá, apenas não podemos vê-las hoje”. Em minhas noites solitárias e cheias de dúvidas, lembro-me de ti com teus olhinhos inocentes, que me olham como eu fosse algo especial. Nunca chamastes minha humanidade de burrice, minha força de loucura e nunca dissestes que tenho um gosto estragado. Creio que em algum momento desta vida, Deus quis que eu te encontrasse, como ir ao encontro de um oásis acolhedor. Te entregas como uma menina em meus braços, para que eu diga baixinho em teu ouvido o quanto te amo e és importante para mim. E quando dizes meu nome: Tereza Cristina, ele soa bonito como uma canção, forte como um rochedo e doce como o amor. Não é fácil deixar-te sem olhar para trás, não é nada fácil ir embora sem te levar comigo. Estás muito distante de ser um número no prontuário. E porque muito te amo, ainda que não consigas compreender as razões, e eu tenha tantas vezes que explicar: Amor não se explica apenas se senti e ponto. Dizes que precisas de mim e o quanto te faço bem, mas quando digo que preciso de ti, perguntas : Quem precisa de uma velha leprosa? Eu preciso. Não me importo com tuas chagas, porque quem se entrega em meu abraço é uma alma pura que não encontro no mundo de cá. Porque quando me abraças, minha solidão vai embora. E quando me olhas, sinto-me uma estrela brilhante, pelo sorriso que provoco. Não tens idéia do quanto me devolvestes a alegria de viver com aquela resposta a enfermeira. Ela perguntou: É da tua família Tiloca? - Não, é bem mais do que da minha família, é um amor verdadeiro, sem limites ou obrigações de existir. Penso o mesmo de ti. O que tenho para te dar, não vai quebrar, amassar ou enferrujar, porque o que tenho para te dar é amor.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Bens Brother - Let Me Out

A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Vinícius de Moraes

Um poeta de nossa casa - Daniel de Sá



Emanuel Félix, o retrato possível As suas mãos vencem o tempo. Saram as feridas que ele deixa em telas antigas, e não fica um rasto sequer da passagem delas pelo quadro. Assim passa ele na vida, poeta quase místico dos sentimentos profanos, reconstruindo a pureza da existência para que a não fira a espada de fogo que sela os portões do paraíso original onde tudo começa. Por isso amou as raparigas lá de casa e fez que os anjos sujassem as sandálias num presépio de Belém, sem sombra de pecado. As palavras, gastas de séculos ou de milénios, na sua boca parecem sempre acabadas de inventar. Felizes aqueles que o seu verbo toca, porque há nele um sabor constante de novidade, como se todos os frutos apenas revelassem a infinita sabedoria da bondade.



Daniel de Sá e Emanuel Félix
(O poema foi lido pelo Sidónio Bettencourt, na Rádio Difusão dos Açores, na última entrevista que o Emanuel Félix concedeu a rádio)
Um Poeta da nossa casa
(Paráfrase sobre um poema de Emanuel Félix)

Como eu amo este poeta cá de casa!
(Da nossa casa, concha nove vezes repetida.)

Discreto fabricante de palavras,
Guarda o seu sonho como se guardasse o nosso,
Como se lhe tivéssemos dado todos os poderes
De dizer o que haveríamos de dizer
Se o pudéssemos dizer.
Como se nascesse nos seus versos
O canto mudo da nossa casa nove vezes calada,
Nove vezes cercada antes da própria fala.
Nulo é o chão sob os seus pés
Que anunciam a paz enquanto se ouvem palavras
Tão suaves como todos os silêncios.
E fica um rastro suave de bondade,
Como um cheiro de pão quente
E de leite acabado de ordenhar.
E qualquer hora do dia é sempre madrugada,
Quando escutamos a inquieta maresia
Onde começam as viagens possíveis
Com santo e senha leves e frescos
Como as folhas na Primavera.
Não sabemos a cor dos seus olhos,
Mas sabemos que neles também se acende o sol
Quando as sombras pousam
Sobre a concha nove vezes repetida.

Esse o destino dos que anunciam a paz,
Com o talento imenso da bondade
E a bondade imensa do talento.

(De vez em quando
Deus tem momentos de generosidade como este:
Repete o Seu gesto criador do sexto dia
E dá-nos, sem que o saibamos merecer,
Um Homem assim.)
Daniel de Sá.







quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Metade - Adriana Calcanhoto

Esperamos ,imaginamos e nos sentimos tolos,como marionetes de um destino cruel.
Para tudo! Eu quero descer,conceder-me o direito a escolhas,sair de mim ,esquecer quem sou.
Preferia estar em qualquer lugar onde não soubessem nem mesmo o meu nome, do que estar aqui em meio a minha derrota secreta e silenciosa. Preciso vencer-me, porque por outros fui vencida.
Quem um dia imaginou ouvir-me dizendo isso?
Ainda tenho forças para dizer:Para tudo!Quero descer.Não vou fazer este papel.
Nunca consigo descer deste palco.
Não anuncie o próximo ato,não estarei aqui para representar este papel...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Daniel de Sá - Ponta Delgada




Ponta Delgada, uma velha e bela cidade. O viajante pensa que ela cresceu ou tentou crescer muito depressa. O seu drama é o de todas as urbes que são as mais importantes da região onde se encontram. Tudo o que é novo há-de acontecer lá, há-de lá ir parar. Muitas vezes sem tempo para adaptações. E o pior foi que Ponta Delgada tentou primeiro crescer por dentro. Ponta Delgada, uma velha e bela cidade que o século XX não soube respeitar.

Pôs-se o novo ao lado do antigo. Pior, muitas vezes, deitou-se abaixo o antigo para erguer o moderno. Ponta Delgada era uma cidade onde os mercadores tinham tanta importância que há até uma antiquíssima rua que pelo nome lhes é dedicada. O centro histórico era o paraíso dessa maneira tradicional de vender e mercar. Mas, depois do cerco interior dos grandes armazéns, de todos os serviços públicos, do reboliço da vida concentrado em meia dúzia de ruas feitas para carroças e coches, a vida essencial da cidade mudou-se para a periferia. Aquela espécie de mercado árabe de tecto fechado, que gravitava nunca longe da Matriz, transferiu-se para grandes fortalezas de cimento e ferro onde se concentram as lojas de tudo. De um tudo sempre pronto a vestir ou a comer.

O viajante sente Ponta Delgada como um ser vivo. As noites da Imaculada Conceição eram um esplendor de luz e de criatividade em muitas dezenas de montras arrojadamente ornamentadas para comemorar o dia do comércio citadino. Com poucas excepções, são agora um cântico triste que não disfarça a vida que se perdeu dentro para a mudar para fora. Onde ela se esvai na monotonia da imitação de todas as cidades que querem parecer grandes.

Quando, num filme, o realizador quer dar a impressão de que se está num tempo antigo, o cenário é feito de casas velhas, meio derruídas umas, descoloridas todas. Mas, nesse tempo antigo, tais casas estariam sem dúvida completas, luzindo em cores novas e brilhantes. Ponta Delgada não ruiu nem perdeu a cor. Mas fizeram-na desistir de ser o que era. E, agora, um agora com várias décadas já, não há maquilhagem que devolva à bela dama a sua aparência ancestral. A ânsia de lhe encastoar modernices levou ao exagero de mudar, pedra por pedra, a ermida da Trindade para ao pé da entrada do jardim de António Borges. E foi posta uma bomba de gasolina no lugar onde ela estava.

No entanto, em Ponta Delgada ainda há muito para ver. Ainda há muito para amar. Foi no seu Liceu que o viajante, que nunca soube desenhar, fez prova de que sabia as outras coisas mais ou menos bem. E também por lá andou a tentar aprender essa difícil arte de ensinar. Como muitos outros, chegou a querer completar os conhecimentos com a iluminação divina, que muitos iam pedir de joelhos à porta da igreja do convento da Esperança. Para que o Senhor não se esquecesse, não faltava quem deixasse recado, escrito a lápis na tinta verde da madeira daquela porta. “Senhor Santo Cristo dos Milagres, ajuda-me no exercício de Francês.” “Senhor Santo Cristo, ajuda-me no exame de matemática.” E outros pedidos do género. Havia-os também mais aflitivos, de vida ou de morte.
Este Senhor Santo Cristo dos Milagres é devoção antiga. A belíssima imagem veio do convento da Caloura. Depois de uma primeira procissão em 1698, de visita a outros conventos de Ponta Delgada, a sua festa, hoje, é a maior destas ilhas. A igreja é igualmente muito bela. No lado poente da praça, a igreja de S. José, que foi do convento franciscano, é um monumento de grandes proporções e magníficos altares.

Como em toda a parte nestas ilhas, são os templos e conventos antigos o que há de mais belo para contemplar. A igreja daquele que foi o Colégio dos Jesuítas está hoje transformada num museu de arte sacra. Faltam-lhe alguns altares, um deles oferecido à igreja de Santa Luzia, nas Feteiras do Sul, como prémio por umas eleições que o partido regenerador lá ganhou. Ainda assim, a exuberância da talha de madeira é fascinante. O colégio foi adaptado a biblioteca pública. Para nascente, outro belo exemplar barroco, a igreja de S. Pedro, que foi capela real enquanto D. Pedro IV esteve por cá. E há o convento de Santo André, feito museu de generalidades, mas em que se destacam as colecções de pintura e de história natural. O viajante sente um fascínio tal pelo coro alto da sua igreja, que com frequência sonha que está naquele espaço de oiros e mistérios.

Passeando sem pressa nem mapa por Ponta Delgada, encontra-se, no entanto, uma ou outra surpresa agradável. Uma velha ruela que permaneceu intacta, ou quase; um palacete do tempo da riqueza da exportação da laranja, que fez fortunas e barões; um recanto que pode assemelhar-se a uma aldeia que se tivesse intrometido na cidade, sem perder o ar rústico das casas nem das pessoas.

Foi a sul que Ponta Delgada mais se descaracterizou a partir da década de 1940. O Estado Novo quis mostrar obra, e roubou ao mar espaço para inventar uma praça, onde havia um cais de embarque, e abrir uma avenida. Porque as praças e as avenidas eram alguns dos símbolos da propaganda do regime. Depois, não foi possível imaginar uma maneira de recuar na metamorfose. Ou de parar, pelo menos. Até ao aterro de uma das memórias mais expressivas de Ponta Delgada, a Calheta de Pêro de Teive, lugar de pescadores desde tempos imemoriais. A avenida acabou por acolher um pouco de tudo. Estilos de época e estilos de arquitecto. Cada qual interessado apenas na sua maqueta sem olhar à volta. Mas, quando a noite envolve a cidade, o espectáculo das luzes acaba por dar uma estranha beleza àquele espaço. Como que o reabilita, como que o justifica. Desde a fortaleza de S. Brás até ao moderno cais de cruzeiros das Portas do Mar, onde atracam navios que trazem gente de todo o Mundo. E que pode levar desta cidade só belas recordações. Se a alma servir de guia.

(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)

Maria Eduarda - Três meses.













"O que torna belo o deserto, disse o principezinho, é que ele esconde um poço nalgum lugar.
Fiquei surpreso por compreender de súbito essa misteriosa irradiação da areia. Quando eu era pequeno, habitava uma casa antiga, e diziam as lendas que ali fora enterrado um tesouro. Ninguém, é claro, o conseguira descobrir, nem talvez mesmo o procurou. Mas ele encantava a casa toda. Minha casa escondia um tesouro no fundo do coração...
- Quer se trate de casa, das estrelas ou do deserto, disse eu ao principezinho, o que faz sua beleza é invisível!
- Estou contente, disse ele, que estejas de acordo com a raposa.
Como o principezinho adormecesse, tomei-o nos braços e prossegui a caminhada. Eu estava comovido. Tinha a impressão de carregar um frágil tesouro. Parecia-me mesmo não haver na Terra nada mais frágil. Considerava, à luz da lua, a fronte pálida, os olhos fechados, as mechas de cabelo que tremiam ao vento. E eu pensava: o que eu vejo não é mais que uma casca. O mais importante é invisível...
Como seus lábios entreabertos esboçassem um sorriso, pensei ainda: "O que tanto me comove nesse príncipe adormecido é sua fidelidade a uma flor; é a imagem de uma rosa que brilha nele como a chama de uma lâmpada, mesmo quando dorme..." Eu o pressentia então mais frágil ainda. É preciso proteger as lâmpadas com cuidado: um sopro as pode apagar...
E, caminhando assim, eu descobri o poço. O dia estava raiando."
(Pequeno Príncipe ;Antoine de Saint-Exupéry )





segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A vontade do amor.



Madrugada fria,
Não suspeitas que te escrevo.
Contorço-me
Faço a vontade do amor
Um pouco tarde
Talvez em vão.
Há um duelo dentro de mim
Entre o medo de ferir
E de ferir-se.
Medo de vencer
E ser vencido.
Neste duelo reside minha angústia.
Quero fugir de mim
Enfrentar-me
Sair de mim
Conter-me.
Mergulho no amor,
Com a mesma voracidade
Em que mergulhei no medo.
Ao amanhecer estarei sozinha
derramarei minha angústia num papel,
Vou sofrer tua ausência,
E falta de amor por mim,
E confessar:
É doce e
cruel amar-te assim.



Cristina Vianna

sinonimos- Chitaõzinho e chorroro zé ramalho

"O prazer do amor é amar e sentirmos-nos mais felizes pela paixão que sentimos do que pela que inspiramos."

La Rochefoucauld,François

domingo, 2 de novembro de 2008

Incidente diplomático no Campeche.




A servidão passa a chamar-se :Vila Desarmonia.
Olha só... Avaliem a situação. Tudo na mesma semana.
Quarta-feira à noite, Campeonato Brasileiro de futebol: Botafogo x São Paulo.
Eu Botafoguense. Ele, o pé frio, companheiro “adversário”, São Paulino.
Vou para o computador enquanto o jogo acontece, estou ouvindo o jogo, e para não dar muita confiança, finjo ignorar a situação. O que não vou esquecer é que anularam um gol do Botafogo. Fim de jogo: vitória para o São Paulo.
Tudo bem. Mas, roubaram um gol do Botafogo. Espero a gozação. Não veio. Estranhei. Estava tudo muito calmo. Na verdade, para variar fui dormir às quatro da manhã. Sem tocar no tal assunto. Não vão acreditar. Sei que é difícil mesmo acreditar . Fui acordada às seis da manhã, ou seja, duas horas depois, no melhor do sono, por alguém que sorria ao meu lado dizendo: Teu time perdeu ontem.
Pela forma criativa até achei graça. Até que ele completasse a frase: Para o meu São Paulo
.
Olha, aquele meu São Paulo, mais aquele sorriso debochado,mais aquela hora da manhã...Só respirando bem fundo,e contando até dez, para não fazer nenhum gesto ofensivo.
Ele percebeu o perigo.
Estou indo. E saiu bem depressa.
Pensei comigo: Será um dia longo. É melhor voltar a dormir.Consegui este feito por mais uma hora, até que meu distinto pedreiro resolvesse bater em minha porta do quarto para chamar bem feliz: D.Cristiiiiiiiiiiiiiina. Bom dia.
Eu já pensei :se ele disser que meu time perdeu ontem não vou segurar os gestos ofensivos. Mas comunicou que iria lavar o telhado e isso significava chover em meu quarto.
Tudo bem,o dia estava apenas começando e não me deixaram dormir. Definitivamente fora um dia muuuuuuuuuuuuuuito longo. Para poupar-me de futuros e previsíveis aborrecimentos, desliguei o celular, para não receber os torpedos (mensagens) que certamente chegariam de hora em hora para me recordar: Seu time perdeu ontem.
Resolvi que não atenderia também ao telefone, e nem abriria mensagens de e-mail vindas de um tal poeta Augusto. Certamente construiria quadrinhas com o tema : Seu time perdeu ontem.-Naquela quinta-feira ainda chegou mais cedo em casa para me incomodar,trazendo para me ofertar uma barra de chocolate Diamante Negro,já explico,ele não é bonzinho, e muito menos desejava acalmar a situação, estava tudo planejado: Diamante Negro era o apelido do jogador do São Paulo que atormentava a defesa do Botafogo. Estão vendo não é?
Não pensem que acabou. Ainda tem a sexta-feira.
Ele combinou com o pedreiro para me acordar cedinho falando: Bom dia D.Cristina, hoje a senhora não precisa sair do quarto vou trabalhar lá fora.
Fiquei olhando um tempo para ele com aquela expressão: Sim. e daí? Por que então me acordou?
Ele respondeu: É que tenho uma curiosidade.
Pensei comigo: Ninguém merece, definitivamente ele não reza . Fui dormir novamente às quatro da manhã para ser acordada no melhor do sono num dia de chuva para saciar a curiosidade do meu estimado pedreiro. Percebi que coisa boa não era, pois havia um brilho diferente em seus olhos e um sorriso maroto. Respirei fundo, pensei na boa educação que mamãe me deu e suavemente perguntei: Qual é a dúvida? Preciso voltar a dormir. Vocês não vão acreditar. Sabe qual era a dúvida?
Ele com muita coragem perguntou: Qual foi o resultado de quarta feira do jogo São Paulo X Botafogo? Não acreditei. Pensei: Isso deve ser um pesadelo, não acordei ainda. Cheguei mesmo a me animar.Afinal, sendo um pesadelo poderia matar meu pedreiro.
Acontece que quando me dei conta de que estava mesmo acordada, ele já não estava lá para esperar a resposta.
Veio então o sábado. Trégua. Domingo cedo, o tal pé frio, sabotou o meu blog.
Tentou acabar com o meu humor já pela manhã.Tudo bem que tudo ocorreu pela madrugada.Eu o havia acordado. Era o mínimo que eu podia fazer com alguém que me torturou por dois dias. Quando fui protestar, nem se envergonhou disso, dava risadas dizendo: Meu cérebro estava desligado. Só faltava me lembrar: Seu time perdeu na quarta. O pior estava por vir.
Hoje, domingo, dia de finados, final de Campeonato Mundial de Fórmula I, pensei comigo: Ele vai torcer pelo Massa, ledo engano, é um traira.
Estava acompanhando a corrida, claro que também estava lendo o último capítulo de um romance, para não demonstrar muito interesse, e me estressar menos. Acontece que quando chegou à última volta, onde Massa antes da última curva era o campeão, percebi que a distinta criatura ao meu lado estava torcendo contra.
Eu dizia: Já deu.
Ele falava: Ainda falta uma última curva.
Gente, o pé frio estava certo.
Agora peço licença , vou sabotar a janta...
Ps.Amigos ajudem-me a mandar o pé frio para Iraque. Se houver interesse em adquiri-lo, deixo a disposição,com a ressalva de que não aceito reclamações e muito menos devolução.

Um pouquinho mais de Daniel de Sá.

... E o viajante delicia-se na viagem.Cada vez fica mais encantado e apaixonado pela Ilha, quando a desvenda através dos olhos doces e seguros de Daniel.
O viajante afirma e silencia: "Descobri coisas que apenas posso sentir, não há como explicar e muito menos alcançar entendimento." Cabe a mim,render-me e saborear.


Ribeira Grande

Ribeira Grande. Bons tempos viveu ali o viajante. Que o tinha de ser todos os dias, excepto ao Domingo. Para aprender umas letras e outras ciências, no externato. O almoço possível era quase sempre na travessa por onde Gaspar Frutuoso teria passado milhares de vezes. A caminho da Matriz de Nossa Senhora da Estrela, de que era vigário. Homem culto, doutor por Salamanca, deixou a maior e quase única história que se conhece dos primeiros tempos de vida nestas ilhas. No salão nobre dos Paços do Concelho, há um painel de azulejos que lhe é dedicado e que sempre intrigou o viajante. O sacerdote é representado pregando no púlpito da sua igreja. O painel completa-se com umas alfaias agrícolas e uns símbolos da arte da escrita. E estas palavras como divisa: “Se eu soubera, não soubera.” Fácil de interpretar... Se Frutuoso tivesse aprendido a arte de cuidar da terra, não saberia a outra, a tal da escrita. Ou talvez não, quem sabe? E se aquela fosse uma confissão de que, se soubesse o que é o saber, preferiria não saber? Esse saber que nos torna cada vez mais conscientes da nossa ignorância, mais insatisfeitos. Esse saber que nos faz duvidar mais do que acreditar nas coisas que aprendemos.


Ao viajante vem com frequência essa tentação. Esse como que arrependimento de ter aprendido algo mais do que todos os meninos da sua terra que foram à pia do baptismo no mesmo ano que ele. Foi bom que Gaspar Frutuoso tivesse aprendido outros saberes, mais que de arado e sacho. Porque ele foi o único que contou coisas que, se não tivesse dito, ninguém saberia. Mas o viajante não aprendeu mais do que saberes já sabidos. As suas palavras não fazem falta sequer para uma visita de olhos cheios a este mundo aqui à volta. Ao viajante, a outro qualquer viajante, basta ir por aí acima e ver. O bailado das gaivotas na indizível lagoa do Fogo. A cascata de água quente da Caldeira Velha, que lhe fica a caminho. As outras fumarolas, ditas Caldeiras da Ribeira Grande. Os rochedos barrocos das Lombadas, com uma nascente de magnífica água mineral. A assombração do Monte Escuro. Ali, a terra ainda não teve tempo de disfarçar as mãos de fogo dos vulcões. E, apesar de tanto se ver da ilha lá em cima, o silêncio como que nos tapa a boca, proibindo a fala. Num certo ponto vê-se bem, mas mal se escuta, ao longe, uma cascata. Basta baixar a cabeça por detrás de umas queirós, que a altitude fez raquíticas, e já nada se ouve. Ou indo adiante, que não faltam sensações por aí fora. A ponta do Cintrão, arrojado cabo em miniatura; o miradouro de Santa Iria, de onde de repente se descobre como a ilha continua a desdobrar-se em dedos de terra entrando no mar, ou namoros do mar nas enseadas. E daquele lugar o viajante faz sempre um miradoiro também para a História. Foi nos montes à volta que se deu a última e maior refrega entre as tropas absolutistas e os liberais, que haviam desembarcado na Achadinha. Está logo à frente o Porto Formoso, com a sua praia que era o melhor ancoradoiro das bandas do Norte; e São Brás, rutilante; e a Maia, numa fajã vulcânica onde o sol falta menos vezes e o tempo é mais ameno do que longe dela; e a Lomba da Maia; e os Fenais da Ajuda, cuja elegante ponta anuncia, a nascente, que o concelho acaba pouco mais adiante, na Lomba de São Pedro.


Também o viajante entrou e ficou na igreja de Nossa Senhora da Estrela vezes sem conta. E ainda hoje, quando lá regressa, sente uma espécie de respeitoso temor. Aquele é um dos maiores templos dos Açores. Consta que, semelhantes, só a Sé de Angra e a igreja de São José, de Ponta Delgada. A devoção dos cristãos de outros tempos está bem expressa na profusão de altares. E a sua arte também, na abundante decoração. Ali se guarda o Arcano Místico, obra de Madre Margarida do Apocalipse. Informam-no agora de que, qualquer dia, irá para a casa onde ela viveu, depois que os liberais lhe fecharam, e às outras, as portas do convento, deixando-as fora.


Foi daquele lado da Ribeira que a povoação nasceu e começou a crescer, ainda no século XV. E, quando D. Manuel I a fez vila, por foral de quatro de Agosto de 1507, deu-lhe como limite uma légua em redor do pelourinho. Só no século XIX o concelho haveria de ganhar as dimensões que tem hoje.


Até ser elevada à categoria de cidade, em 1981, a Ribeira Grande era composta apenas pelas freguesias da Matriz e da Conceição. Nessa altura foram integradas nela as da Ribeira Seca e da Ribeirinha, e, mais tarde, a de Santa Bárbara.


Cerca de uma légua para ocidente fica Rabo de Peixe, freguesia tornada vila em 25 de Abril de 2004. Sendo a mais populosa, apesar de uma inexplicável fama contrária é também das mais ricas. O seu porto de pesca é dos mais importantes dos Açores, sendo a sua fruta e os seus produtos hortícolas de excelente qualidade. Era nesta freguesia que ficava o velho aeroporto, um simples pasto que alimentava vacas quando não havia manobras de aviões. Um pouco adiante, as Calhetas e, a completar o concelho e a meia dúzia de quilómetros de Ponta Delgada, o Pico da Pedra. A paisagem é geologicamente das mais recentes dos Açores. Se tudo ali fosse como há 50 000 anos, uns instante na evolução da Terra, o viajante não teria solo para pôr os pés. Então só havia mar entre o maciço das Sete Cidades e o da Serra de Água de Pau.

(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)