sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Um poeta de nossa casa - Daniel de Sá



Emanuel Félix, o retrato possível As suas mãos vencem o tempo. Saram as feridas que ele deixa em telas antigas, e não fica um rasto sequer da passagem delas pelo quadro. Assim passa ele na vida, poeta quase místico dos sentimentos profanos, reconstruindo a pureza da existência para que a não fira a espada de fogo que sela os portões do paraíso original onde tudo começa. Por isso amou as raparigas lá de casa e fez que os anjos sujassem as sandálias num presépio de Belém, sem sombra de pecado. As palavras, gastas de séculos ou de milénios, na sua boca parecem sempre acabadas de inventar. Felizes aqueles que o seu verbo toca, porque há nele um sabor constante de novidade, como se todos os frutos apenas revelassem a infinita sabedoria da bondade.



Daniel de Sá e Emanuel Félix
(O poema foi lido pelo Sidónio Bettencourt, na Rádio Difusão dos Açores, na última entrevista que o Emanuel Félix concedeu a rádio)
Um Poeta da nossa casa
(Paráfrase sobre um poema de Emanuel Félix)

Como eu amo este poeta cá de casa!
(Da nossa casa, concha nove vezes repetida.)

Discreto fabricante de palavras,
Guarda o seu sonho como se guardasse o nosso,
Como se lhe tivéssemos dado todos os poderes
De dizer o que haveríamos de dizer
Se o pudéssemos dizer.
Como se nascesse nos seus versos
O canto mudo da nossa casa nove vezes calada,
Nove vezes cercada antes da própria fala.
Nulo é o chão sob os seus pés
Que anunciam a paz enquanto se ouvem palavras
Tão suaves como todos os silêncios.
E fica um rastro suave de bondade,
Como um cheiro de pão quente
E de leite acabado de ordenhar.
E qualquer hora do dia é sempre madrugada,
Quando escutamos a inquieta maresia
Onde começam as viagens possíveis
Com santo e senha leves e frescos
Como as folhas na Primavera.
Não sabemos a cor dos seus olhos,
Mas sabemos que neles também se acende o sol
Quando as sombras pousam
Sobre a concha nove vezes repetida.

Esse o destino dos que anunciam a paz,
Com o talento imenso da bondade
E a bondade imensa do talento.

(De vez em quando
Deus tem momentos de generosidade como este:
Repete o Seu gesto criador do sexto dia
E dá-nos, sem que o saibamos merecer,
Um Homem assim.)
Daniel de Sá.







Um comentário:

Anônimo disse...

Ai Daniel, nunca consegues deixar de me surpreender.Muitos beijos te deu Deus nas mãos e "no coração"!

Aqui vai um da Isabel Fidalgo, mais conhecida por LIA.

Cristina, "palhaço de Deus", que Deus continue a abençoar-te.
E toma lá mil beijos "no teu coração".