domingo, 9 de novembro de 2008

O Concelho Grande - Daniel de Sá





Daniel nos leva no coração deste viajante ao Concelho Grande, numa viagem metafísica, onde as imagens fotográficas tornam-se registros frágeis, por não conseguirem captar os sentidos, onde cores e formas sem cheiro, sem o pulsar daquela terra, não são detectáveis em sua totalidade. Sabemos que recordações são registros de uma memória ímpar, e só nos apropriamos delas, se formos nós a fabricá-las.
O inexplicável é o que acontece dentro de cada um de nós que acompanhamos este viajante conduzido pela literatura de Daniel. Podemos sentir o que nos descreve, como se fossem nossos próprios passos que levantam a poeira naquelas estradas. Chegamos mesmo a duvidar que não estivesse por lá. A força desta literatura capaz de nos dar as coordenadas do vento, a temperatura das manhãs, e as impressões mais secretas que povoam a mente do “viajante” ou são as nossas?

O viajante sabe que os cheiros completam as cores da paisagem como as cores completam as formas. Dos cheiros antigos que hoje faltam o que mais falta lhe faz é o dos trigais. Um cheiro quente que antecipava o do pão no forno. Um cheiro sensual, na ondulação das espigas trigueiras, com salpicos de papoilas incandescentes como sinais de virgindade. Lugares perfeitos para amores proibidos ou envergonhados.

Do maior concelho dos Açores, o viajante guarda estas recordações sobretudo para os lados das Feteiras do Sul, onde tem família de sangue e afecto. Muito perto da igreja de Santa Luzia, a do altar e púlpito que vieram da Igreja do Colégio dos Jesuítas.

As ceifas e as debulhas eram festivais de alegria e confraternização. Vinham carros de bois anunciando-se ao longe na dolência do chiar dos eixos. Tudo tinha um ar antigo, mas nada era triste. Nem mesmo a freguesia seguinte, a Candelária, que nos finais do século XIX o seu pároco considerava a mais pobre da ilha, e que talvez o fosse. Durante umas sete décadas não terá mudado muito. Mas de repente, quase de um dia para outro, encheu-se de cores novas e de movimentos culturais, começando também a tirar da terra muito mais do que só o trigo, que já não há, ou o leite, que há em demasia. O seu nome tornou-se uma espécie de marca registada de sabores que se apreciam em toda a ilha.

Depois há os Ginetes, que avançam até quase à Ponta da Ferraria, onde há uma espécie de museu natural de vulcanologia. E, sempre contornando o maciço das Sete Cidades, chega-se à Várzea, antes de descer para os Mosteiros, numa fajã de caprichoso recorte. Rodeada por um mar que lhe deu parte da fama por causa do polvo e das cracas.

A partir daí já se está na costa Norte. A paisagem, que parece reinventar-se a cada curva, refaz-se nos relevos e no aspecto da vegetação. Bretanha, Remédios, Santo António... Até o falar se assemelha, sobretudo na Bretanha, aos sons de França de que a lenda pretende fazer originários os seus primeiros povoadores. Com sangue real, há quem diga.

Nas vila das Capelas não convém olhar apenas para a confusão magnífica entre casario e arvoredo. Não pode perder-se a visita ao miradoiro do porto. Ali também se viu chegar muitos cachalotes, quando a sua caça era uma das riquezas das ilhas. Arribas de uma beleza impressionante, arrebatadora. O concelho vai acabar nos Fenais da Luz, mas continua por dentro, com uma das freguesias mais interiores da ilha, S. Vicente.


Já praticamente nada separa os arredores de Ponta Delgada da própria cidade. Que como que se continua na Relva, onde há o aeroporto; e nos Arrifes e Covoada, uma das maiores zonas de produção de leite dos Açores; e nas Fajãs – a de Cima e a de Baixo. Depois, a nascente, em S. Roque e no Livramento, com as suas concorridas praias de areia preta, ainda guardadas por umas ruínas de velhíssimos fortins que ninguém soube guardar.
(De um texto para um livro turístico a publicar pela Ver Açor.)

2 comentários:

Anônimo disse...

Logo virei com mais tempo comer o pão da minha fome.

Beijo, Daniel!

Lia

Elisabete disse...

Parece que caminho, levezinha e feliz, pela minha ilha...
Que bom vir aqui!
Beijinhos