segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Quem me dera ser uma caneca de aluminio...

Estou aqui, tentando soltar um grito que não sai pela boca. Com todas essas perguntas atordoantes, sem uma única resposta.
Quem me dera que a dor escorresse por meus dedos... Me olhasse nos olhos, e pudesse enfrentá-la.
Hoje descobri como é ser um copo descartável... Perdi a luta contra a era dos descartáveis.
Estou fora do tempo... Sou um acidente do destino. Elejo coisas e pessoas como quem vive no planeta do pequeno príncipe. Agora compreendo, porque ele vivia tão só.
O meu maior pecado foi ter coragem para atingir a terceira margem, e ninguém pode voltar depois de alcançá-la.
Recebi a segunda punhalada, que ironia, um rochedo que sangra. Sim. Permaneço lúcida. E todas as coisas estão no mesmo lugar. Entretanto, tudo parece tão diferente.
Minha fuga é correr nas lembranças... Upa de Grupe, esse era o nome do meu maior amigo de infância, um grande homem , abrigava um imenso coração. Morava embaixo de uma marquise, na entrada daquela velha vila, Pedro Álvares Cabral.
Nunca soube o seu nome de batismo. Ele sempre foi para mim o Upa de Grupe e eu para ele uma menina que se apresentava como Alexandre. Ele nunca perguntou o porque.
Dizia que meus olhos falavam. E que eu preenchia um pouco da sua solidão,que o fazia existir. Dizia ser invisível aos outros. Nunca entendi muito bem sua colocação, até o dia de hoje. Acho que ele alcançou a terceira margem de Guimarães Rosa. Ele apenas parecia um rochedo,mas, o vi chorar algumas vezes,então posso concluir que, conheço rochedos que sangram e choram.
Lembro-me de uma noite em que fugi aos prantos para alcançar o seu abraço indigente, tinha nessa época uns sete anos.
Ele me abraçou e depois de me acalmar, perguntou:
- O que faz chorar minha pequenina guerreira?
Inconsolável, afirmava:
-Não quero crescer e ser como eles. Não quero. Deixe-me seguir com você. Tenho medo de um dia acordar e que você não esteja mais aqui.
Agora entendo aquele olhar úmido, e suas palavras.
- Não pode me seguir, não vou a lugar algum ... Nunca vai me perder, a menos que escolha me esquecer. É você quem vai precisar partir.Enquanto eu viver,jamais vou esquecer que fui amado por uma menininha valente de cabelos cacheados,e olhos sorridentes, que teima ser chamada por Alexandre.
Nunca será como eles... E quando perceber isso, lamento não poder estar contigo nesse dia para te abraçar. Mas preste atenção... Não desista. Levante seus olhos e olhe para a vida de cabeça erguida, pague a conta por ser diferente. Não vai ser fácil. Você vai conseguir, precisa acreditar.

Nunca imaginei que estaria tão só nesse dia e invisível. Upa de Grupe não era um profeta, era um cientista da alma humana.
Ah como gostaria de contar a ele de todas as estradas e caminhos que percorri sem medo.
De todas as minhas tentativas insanas e inúteis para que as coisas dessem certo.
De quantas vezes errei tentando acertar. Paguei por cada escolha. E muitas vezes paguei mais do que devia. Os tais juros injustos. Classificaram minha humanidade - burrice. Minha coragem de loucura. E minha transparência tornou-se imoralidade.
Upa de Grupe foi um matemático, um grande professor, não tenho idéia de qual classificação o tornou um indigente graduado. Ensinou-me a tabuada, o jogo de xadrez e os segredos das equações, lia como ninguém os meus olhos, e por muitos anos foi o meu verdadeiro lar, o meu aconchego, meu herói, meu abraço e profetizou os meus passos.

Penso que ele sempre suspeitou que um dia eu também me tornaria invisível. Posso arriscar que já estava equacionado que o dia de hoje chegaria.
Se pudesse correr para aquele abraço, sei que conseguiria ler o que meus olhos gritam:
- Por que não consigo ser como a grande maioria? Por que não consigo aprender esse jogo?
Por que estou mortalmente ferida e não conseguem enxergar?
Por que não consigo soltar esse grito que me rasga o peito e dilacera a alma?
Por que ainda estou aqui? Por que não percebem que rochedos também sangram?
Upa de Grupe preciso chorar como criança, mas meus olhos continuam secos, não estou com medo, trocaria o que sinto por um hematoma, um corte, uma saudade, um amor perdido, qualquer coisa...Estou cansada e descrente.
Sinto-me um copo descartável... Agora entendo as razões pela qual respeitava tanto sua velha caneca de alumínio. Quem me dera ter a sorte de nascer uma caneca de alumínio.

4 comentários:

Ibel disse...

Cris,
O texto é lindíssimo, só não entendo como é que os textos anteriores explodiam de tanta euforia e agora acusam tanta mágoa? O que aconteceu? Como é que "viraste" copo descartável?

Daniel disse...

O lugar que nos faria felizes é um lugar onde não estamos. Quando estamos numa das margens, pensamos sempre que na outra é que se está bem.
Por isso não estar em lugar nenhum talvez seja a única forma de ser feliz. Ou então a terceira margem.
Um abraço como refúgio.

Cris disse...

Daniel meu querido
"Corremos o risco de chorar um pouco quando nos deixamos cativar não é"???
Mergulho nesse abraço e alcanço novamente a terceira margem.

Cris disse...

Lia minha flor
O caminho é estreito... E há dias surpreendentes,onde por mais criatividade que tenhamos,não conseguimos adivinhá-los.
Só existimos por causa do outro,e por vezes esse reflexo te classifica "algo descartável",e assim perdemos a terceira margem e nos tornamos invisíveis.Porém,por benção divina,com toda a beleza da existência...Recebo dois abraços tão importantes como aquele que me acolhia aos sete anos.Pronto.
Já não sou um copo. Amo vocês.Lia e Daniel.