sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Estou aqui....

Perco as flores, não encontro os versos... Busco o soneto, uma prosa, desesperadamente tento desenhar a palavra que descreva as tranças de sua infância.
Em que tempo ficaram as mãos pequeninas e a doce promessa de que cresceriam entre as minhas?
Em que instante de vida a menininha soltou a minha mão?
Cresceu sem pedir licença.... Negou-me tempo de perceber que já não lhe acalmava o meu colo e tão pouco conseguiria evitar suas quedas.
Estou aqui.Mergulhada em lembranças e com muitas dúvidas... Sufocada entre os rascunhos que não me esvaziam.
Quero fugir de mim . Não posso. Encontrar qualquer lugar que valide os meus passos longe deste ninho vazio.
Permaneço imóvel, falta-me o ar, perco o chão e observo a arrogância juvenil que lhe remete a algum lugar longe dos meus seios que latejam na sua ausência.
Inúmeras foram as noites em claro onde rezei baixinho, uma prece molhada, morrendo de medo de te perder por conta de uma dor de garganta ou febre alta.
Ainda tenho esperanças de que, apesar de ... Tenha observado os meus erros, para que não os repita. E que te valha alguma de minhas verdades. E que descubras rápido que ninguém é o centro do universo.
Impotente e respeitando escolhas, fico aqui, estou aqui estagnada, presa nessa estação, sem poder perceber se faz calor ou frio, porque parte de mim a liberta e a outra parte morre de medo dessa descrença que me assombra.
Pasárgada silenciou... O sabiá chorou. A laranjeira curvou-se de dor. E as flores choram de saudade. E eu ainda estou aqui... Numa busca insana sem respostas, olhando insistentemente para essa ausência de estradas. Apesar de tudo eu não mudei... Foi a minha vida quem modificou.
Ainda vou levar um tempo para arrumar as malas, reaprender a sonhar, encontrar um novo rumo, enquanto isso, tenho que viver nesse mundo sem rostos, até que o dia consiga amanhecer.
O que posso dizer além de?
Ainda continuo aqui.

6 comentários:

Unknown disse...

Por que motivo os textos mais bonitos são sempre produzidos em momentos degrande dor?
Abriste o teu coração à transparência e eu só espero que as tuas palavras sejam lidas.
" Ninguém é o centro do Universo", excepto o que começou dentro de nós, os primeiros movimentos de asa que no nosso corpo esvoaçaram. Conheço esse rezar com lágrimas em momentos de febre, essa inquietação dolorosa que não dá tréguas ao coração.
Escreve, Cris, escreve sobre isso tudo. Um dia destes, talvez bata a saudade numa menina de tranças e ela retorna a Paságada. Enquanto isso não acontece, tu desabafas para esta janela a tua dor que nos torna, a nó leitores, pessoas melhores.
Lembra-te de que não estás sozinha e que há sempre um lar com a porta aberta.
"Um montão de beijos no teu coração" .

Cris disse...

Lia minha querida
Aos poucos consegues entender o meu silêncio...Esse sil~encio que nasce nas preces úmidas.
Ninguém me falou que na vida havia essa coleção de perdas,não estava preparada para tantas.Bem na verdade,não deveríamos perder nada,porque perder dói muito,mas o sofrimento também de certa forma é belo,ativamos o sistema imunológico da alma, e nossos mecanismos de sobrevivência.
Gostaria que mais do que minhas palavras,meu olhar fosse lido.
Estou sem ponto de chegada ou partida, e os berços vazios,embora ainda alcance o cheiro e perceba a marca dos corpos nos colchões.
O barulho juvenil ainda ecoa nos cantos da casa, a agitação cheirando vida, e os sonhos inquietos ainda vagueiam nos adesivos colados em cada quarto vazio.
Meu coração encontra alívio quando o meu lar reforça o aviso das portas abertas.Preciso desse lar.
Um abraço demorado e muitos beijos no coração do meu lar.

Anônimo disse...

A ave ferida,
Quem foi que a feriu?
Sentiu-se da vida,
Ou ficou sentida,
Que a vida sentiu?

A ave magoada,
Quem foi que a magoou?
Ou a dor é nada,
Só imaginada,
Ninguém lhe tocou?

Ave fugidia
Não regressa ao ninho?
Ninguém o diria…
Há-de vir um dia,
Mas devagarinho.

E quando chegar,
Asa ante asa,
Virá para amar,
Que é assim voltar
Ao sabor da casa.

Abraços.
Daniel

Cris disse...

Querido Daniel
Esses versos tem o calor de um abraço...Merecem ir para o salão principal.
Um grande beijo no coração do tamanho da minha saudade.

Unknown disse...

Vês, Cris,há corações a pulsar ao ritmo do teu e a torcer por ti.A tua ave há-de voltar, como diz o Daniel, devagarinho, tão devagarinho e tão de mansinho que, quando deres conta, já está pousada num dos ramos da árvore.
Os versos do Daniel são sempre uma benção.
Deixo-te um poema do Eugénio de Andrade que, quando era jovem como a Thaís, me obrigou a repensar os atritos próprios da idade em relação à pessoa que mais amei, antes da minha filha nascer.

POEMA À MÃE


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha ­­– queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…

Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

Do livro “Os Amantes sem Dinheiro”

Cris disse...

Lia o poema foi como um afago no coração.
Obrigada querida
beijos