quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A menina e o mendigo...


Ela esta chegando, veio mais cedo hoje, deve ter coisas para contar, seus olhinhos estão brilhantes, e vem saltitando no ar como a pular nuvens de algodão.
O amigo a sua espera, como todos os dias, fuma seu cigarro, e parece distante, muito distante, tem os olhos perdidos em algum sonho.
- Olá, fugi mais cedo hoje, a casa está cheia, estão brigando, não notarão que escapei.
- E porque estão brigando?
- Sei lá, os adultos comuns sempre fazem estes risquinhos na testa, estão sempre nervosos, e apressados.
- E o que mais a separa dos adultos?
- Você é um mendigo adulto ou criança?
- O que achas?
- Perguntei primeiro.
- Preciso saber como me enxergas, não importa como eu me veja, e sim, como me enxergas, ou pensas eu ser. Quando me crias, passo a existir na forma do seu olhar, e ser exatamente como me vês, ou me sentis.
- Então podemos brincar de ser. Acho que você é um mendigo criança, com tamanho de adulto, mas, não um adulto comum, porque não ficas distante, mesmo sendo grande e eu pequena.
- Por quê? Não faço risquinhos na testa?
- Não é só por isso. Os adultos falam bravos para nos colocar medo, eu já percebi, que quanto mais eles têm medo, mais eles gritam, e então eu finjo que estou com medo, para diminuir o medo deles, e ficam felizes por demonstrarem poder. Você não grita, e não precisa provar que tem nada, mora na rua, tem o mundo todo só para si, tem o céu, as estrelas, e a lua. Esses adultos, os comuns, brincaram pouco de faz de conta e esqueceram o caminho de sonhar. Eles também não sabem o que fazer com a casca da banana, e nós sabemos o quanto são importantes, e valiosas em nosso jogo de amarelinha, o quanto nos ajuda a alcançar o céu, não é? Mesmo que um dia sejas um mendigo adulto, nunca serás como eles, os que fazem risquinhos.
- Você também é uma criança diferente. Não tem medo das minhas roupas sujas, da minha casa sem paredes, olha dentro dos meus olhos. E nunca importa-se que eu tenha um nome diferente a cada dia.
- Por que eu teria medo? Tens um cachorro. E é bom saber que tem um monte de gente dentro de si, por isso tantos nomes, não vejo suas roupas, bem que gostaria de encontrá-lo de banho tomado, com o cheiro um pouco melhor, só um pouco, não que isso seja importante para a nossa amizade... Toby volta! Olha o carro!
-Ele só esta tentando chamar nossa atenção.
- Trouxe duas balas, uma é minha, a outra é sua, e se dermos um pedacinho para o Toby de cada bala, vai pensar que ganhou duas. Acho que ele esta partilhando a idéia comigo.O que vamos fazer hoje?
- Vamos achar a lâmpada mágica.
- Oba! Vou achar bem rápido a minha.
- Não, tem que ser a mesma.A nossa lâmpada mágica.
- Por quê?
- Para ser o mesmo gênio a nos conceder os desejos.
- Gênios são iguais.
- São diferentes, podes acreditar no que lhe afirmo.
- Se são gênios e estão numa lâmpada mágica, o que tem de diferença?
- A essência. Esse é o maior segredo da vida, é ela quem desenha as sutis diferenças. Vou dar-lhe um exemplo: O que vais pedir ao soltar o gênio da lâmpada?
- Um barco, um grande e lindo barco!
- Boa! Um dos gênios pode lhe dar um lindo barco com fios dourados a alinhavar os contornos, e o outro...
- Também me daria o mesmo barco, eu poderia descrevê-lo como desejasse.
- Sim, mais cada gênio daria um contorno diferente, ainda que fosse dourado, e os barcos tão parecidos não seriam os mesmos... Um desses barcos poderia também , algumas vezes voar, dependeria dos devaneios de cada gênio.
- Um barco que não afunda nunca, e que voa?
- Isso mesmo, esse gênio sairia de dentro da lâmpada, como a saltar do seu coração.
- E o outro, poderia sair da lâmpada, como a pular de sua razão, os barcos não voam minha pequena.
- Entendi, vamos dividir nossa lâmpada, e escolher os que voam, assim vamos estar no mesmo barco e podemos levar o Toby.
- Como é o nosso gênio?
- Ele é divertido, sorridente, barrigudo, e bonzinho.
- Barrigudo?
- Sim, precisa ser barrigudo para ser sorridente, acho que as pessoas barrigudas comem tudo o que sente vontade, daí ficam contentes.
- Esta de bom tamanho esta explicação, e esse gênio. E para onde vamos?
- Vamos viajar pelo mundo inteiro, para qualquer lugar, desde que, à noite tenhamos muitos vaga lumes para nos distrair, e que possamos carregar dentro do barco todas as coisas boas que conhecemos e as que sonhamos conhecer, e então, vamos sair por todos os cantos, entregando para as pessoas grandes e pequenas, o máximo de pessoas que pudermos encontrar. Nunca vou esquecer os desenhos que fazes com a fumaça do cigarro... Ah, eu também gostaria de encontrar o rei que mora dentro do mar, e que ele nos levasse, de mãos dadas, até pisarmos no chão do mar, porque deve ser silencioso, as pessoas não podem gritar, entraria água pela boca, não sei como elas fazem quando estão com medo, ou será que não existe medo no fundo do mar? E o que desejaria que o gênio fizesse por si?
- Não é muito simples o meu desejo.
- Tem que ser simples, senão vais fazer o gênio crescer, e daí ele ficará chato. Hum... Acho que a bala grudou nos dentes do Toby, ele está engraçado. O que vais pedir para o gênio barrigudo?
- Vou desejar que ainda que passem muitos anos, essa menininha que hoje navega no barco comigo, nunca cresça, que a vida não coloque seu coração em molduras, e que sempre que o caminho se fizer mais difícil, encontre o barco com fios dourados, que voa e nunca afunda, e que consiga sempre ir lá ao chão do mar onde mora o silêncio e não há medo...
- Tenho que ir, antes que descubram que não estou em casa. Até amanhã, se achar a lâmpada, espere-me para esfregar, esta bem?
- Até amanhã querida. Eu a esperarei.
- Tchau Toby. Vou pedir ao gênio para eliminar suas pulgas.
Saiu correndo como a fugir da chuva, sonha que vão sentir sua falta, pensa que não a conhecemos... Sempre faz isso quando não pode conter o choro... Eliminar as pulgas?

2 comentários:

Anônimo disse...

Cris, quem é o autor?

Essa menina e esse menino são maravilhosos.
Faltam-me essa experiências e vivências na minha vida, embora quuando era garota brincasse muito com alunos da minha mãe, meninos pobres,com frio,a cheirar a bagaço,pés descalços e que me viam como uma princesa.
Nessa altura eu só queria brincar e éramos todos felizes. Brincávmos até que o sol e a claridade nos permitissem.O meu pai comprou-me uns soquinhos e eu fiquei mais igual a eles.Foi fascinante, esse presente!Como TU, presente de Deus!

Cris disse...

Lia minha querida
O texto é meu,acabou de sair do forno e esta sem revisão.As memórias são de uma menininha que conheci a alguns anos atrás,uns 34 anos pelo menos.
É sempre maravilhoso ouvir tua voz, ela aqueta meu coração.
Abraço -te bem forte e demorado para matar saudades e envio beijos a seu coração.